Escrito por: Geovana Costa e Silva (UFG) e Renato Coelho (UEG)
Se observamos quando estamos na praia, a melhor diversão é a de poder brincar e nadar nas ondas. Seja adulto ou criança, todos gostam dessa brincadeira com as ondas do mar. Uma das partes preferidas consideradas pelos banhistas é poder “furar” as ondas e também pegar o famoso “jacarézinho”. Seja quando as ondas se aproximam e então você mergulha sob elas e sai do outro lado totalmente “ileso” ou deslizando até a areia com as águas te levando sobre uma prancha. Mas às vezes, a frequência das ondas é muito alta, ou seja, propagam várias ondas consecutivas em um pequeno intervalo de tempo, e não conseguimos desviar, elas nos acertam em cheio, e é então quando levamos o famoso “caldo”, quando nos desequilibramos e engolimos muita água sem estarmos com nenhuma sede. Seja a onda grande ou pequena, mergulhar por baixo delas é a mais pura diversão, basta apenas saber o “time” para se jogar, não pode ser muito cedo e nem muito tarde o furar a onda, caso contrário, a onda nos acerta em cheio. Mas as ondas mais perigosas são as denominadas “ondas de retorno”, que vem sempre em direção contrária às demais ondas, no sentido da praia para o mar. São aquelas ondas que chegam e em seguida refletem na praia, retornado para o mar novamente. Nesse retorno frenético, as ondas de retorno formam as fortes correntezas do mar que arrastam os banhistas. Nestes locais onde se formam as correntes de retorno não é aconselhado o nadar, a fim de se evitar afogamentos.
E já na nomenclatura das epidemias, o termo “onda” é bastante utilizado e serve para designar o intervalo de tempo entre dois ou mais picos distintos de contágios, ou o intervalo entre dois platôs da curva. Durante a pandemia da gripe espanhola em 1918, que perdurou por cerca de três (3) anos, houve regiões do mundo que experimentaram três (3) e até quatro (4) grandes ondas da epidemia. Quando se diz “nova onda” significa uma nova propagação de contágios após se experimentar um período de grande alta seguida de estabilização ou de queda de óbitos na pandemia.
Quando se passa por um pico de contágios e de mortes, logo em seguida se estende um platô de estabilidade ou ainda uma queda vertiginosa de infectados, neste segundo caso, é quando se adquire uma falsa segurança e a sensação de que o pior já passou. É neste momento que baixamos a guarda e relaxamos nos cuidados e na prevenção. Porém, uma nova onda pode desfazer essa falsa sensação, podendo provocar uma nova crescente exponencial de contágios. E é exatamente isso o que assistimos atualmente na Europa e nos EUA. Após um verão quente, onde se flexibilizaram todas as regras de isolamento social, muitos saíram para as ruas, para o lazer, festas e fizeram viagens, aumentando consideravelmente os contágios. Se aproxima agora o rigoroso inverno no Hemisfério Norte e com ele uma provável alta acelerada de casos de covid-19, e a volta dos bloqueios, quarentenas e lockdowns, provando o fracasso das políticas públicas naqueles países em relação ao combate e mitigação de novos contágios, onde as testagens e rastreamentos não foram realizados de forma adequada. Medidas rigorosas de quarentena, toques de recolher e de lockdowns são necessárias para regiões ou países que de fato fracassaram na estruturação e na implementação de testagem em massa. Países que lograram êxito na política de testagem e rastreio não decretaram medidas rígidas de isolamento social, ao contrário, a sua população pôde desfrutar das relações sociais coletivas sem barreiras ou impedimentos, pois a testagem em massa permite saber com precisão onde está o vírus, e assim controlar eventuais surtos e evitar crescimento exponencial de contágios.
Figura 01 – Gráfico com simulações da dinâmica de três (03) ondas epidêmicas
Atualmente a Europa se tornou novamente o epicentro da pandemia do novo coronavirus no mundo, já experimentando uma segunda onda de contágios em vários países, como na França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica, Itália, Espanha, Portugal e República Tcheca. Tudo leva a crer que o fracasso das testagens em massa, as flexibilizações precoces, o cansaço e a fadiga dos europeus frente ao contínuo e rígido isolamento social experimentado durante o primeiro semestre de 2020, e ainda a tentadora chegada do verão que facilitou as aglomerações, e por fim, somado a tudo isso as novas mutações sofridas pelo vírus Sars-Cov-2 serviram de catalisadores para o surgimento desta nova e gigantesca segunda onda europeia. Os EUA também experimentam uma nova segunda onda com o aumento rápido e acelerado de novos casos de covid-19 após meses de estabilidade e declínio na curva de contágios.
A segunda onda verificada atualmente nos países europeus apresenta uma dinâmica muito diferente da primeira onda. Observa-se que nesta segunda onda o número de contágios é muito superior ao da primeira, porém, o número de óbitos é, ao menos por enquanto, bem menor do que antes. Esse novo comportamento é explicado basicamente pelo exagerado número de subnotificações ocorridas no primeiro semestre (primeira onda), ou seja, os números oficiais de contágios pelo novo coronavirus publicizados naquele período, foram absurdamente inferiores aos números reais. No Brasil, por exemplo, pesquisas sorológicas realizadas em várias cidades do país pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL - EPICOVID) apontaram que os números verdadeiros de casos reais poderiam chegar a cerca de 9 vezes os números oficiais divulgados pelo governo, demonstrando o exagero nas subnotificações. Atualmente no mundo inteiro se faz mais testes genéticos (RT-PCR) do que no período da primeira onda, ocorrida no primeiro semestre, logo se tem essa aparente leitura de que os contágios são maiores e os óbitos muito menores do que na primeira onda. Porém, a tendência é com que os óbitos também aumentem numa escala muito grande, já que o aumento de óbitos sempre vem a reboque, ou seja, depois do aumento de contágios. Já é sabido que quando os contágios aumentam sem controle, o número de mortes também aumenta logo em seguida. Há que se ressaltar também a experiência adquirida pelas equipes médicas de todos os países no tratamento da covid-19, que ajuda a diminuir o quantitativo de óbitos, já que no início de 2020 a covid-19 era totalmente desconhecida pela ciência e pela classe médica e nem sequer haviam respiradores suficientes nos hospitais do mundo. Mas, infelizmente quando iniciar novamente o colapso das redes hospitalares dos países que experimentam a segunda onda, essa importante “expertise” no tratamento médico hospitalar não terá muita influência na diminuição do número de óbitos, já que num contexto de colapso nos hospitais, a maioria dos óbitos ocorrem nos domicílios ou nas filas de hospitais em busca por atendimento.
Observamos mais uma vez que milhares de pessoas serão mortas pela falta de atendimento médico hospitalar e que o sistema capitalista evidencia o seu total desprezo e desinteresse pela saúde e pela vida dos trabalhadores, onde a maioria dos percentuais de mortes pela covid-19 estão entre as classes mais baixas, de moradores excluídos das periferias, de trabalhadores precarizados e idosos.
No Brasil, devemos ressaltar que, devido à sua dimensão continental, existem várias epidemias da covid-19 ocorrendo ao mesmo tempo em nosso território, com amplitudes, frequências, letalidade e velocidades distintas. Cada Estado da Federação apresenta uma curva pandêmica diferente das demais. Vemos que as primeiras regiões a atingir o pico da primeira onda da pandemia foram as regiões Norte, Nordeste e Sudeste, e somente a partir de julho e agosto as regiões Sul e Centro-Oeste alcançaram o pico do gráfico, onde se registraram as maiores altas no período. Logo, se torna muito mais fácil analisar o surgimento de novas ondas da pandemia por Estados, e não de forma nacional. E é exatamente isso o que se observa hoje, o surgimento de uma segunda onda de casos no estado do Amazonas e em Santa Catarina, enquanto a curva nacional apresenta queda no número de óbitos e de contágios atualmente. Enquanto alguns Estados da federação apresentam queda ou estabilidade nos contágios, outros Estados apresentam aumento vertiginoso.
No Brasil temos então várias ondas pandêmicas fluindo ao mesmo tempo. Como se tem várias epidemias distintas em cada região ou estado da nação, e sem nenhuma gestão nacional e centralizada, então teremos localidades que permanecerão numa primeira onda, enquanto outras experimentam ou irão experimentar a segunda ou a até a terceira onda da pandemia. Seria de fato como no exemplo das ondas do mar que ilustramos no início deste texto, no Brasil as curvas pandêmicas se comportam como ondas bravias em um mar revolto, que arrastam todos que estiverem no seu caminho. As segundas e terceiras ondas são provocadas pelo fracasso nas políticas de mitigação de contágios, onde aquelas pessoas que outrora estavam protegidas em isolamento social, passam então a contrair o vírus.
Numa escala nacional, talvez venhamos a assistir uma sobreposição de ondas de contágios, onde experimentaremos aceleração nos contágios e óbitos que convergirá para uma segunda onda, já que houve flexibilização geral de todas as atividades econômicas no país e ao mesmo tempo não houve e nem existe nenhuma política pública nacional de mitigação de contágios. A total negligência do governo federal e dos governos estaduais na construção de políticas de testagem em massa e em rastreamento de contatos tem levado a população a viver a vida como se não houvesse pandemia, submetidos à própria sorte, na roleta russa da covid-19 e do falso normal. O descrédito da população com relação aos governos (municipal, estadual e federal) tem levado muitos ao não engajamento em novas propostas relacionadas a qualquer implementação de regras de isolamento social, demonstrando assim uma total desesperança e desmotivação de uma grande parte da população referente a este tema. O próprio Estado é o responsável pelo surgimento da pandemia com a destruição da natureza e exploração do trabalho, e o próprio Estado é quem não disponibiliza tratamento de saúde adequado ao trabalhador, numa tentativa inútil de atacar apenas os efeitos e não a causa do problema, cuja consequência são as mais de 160 mil vítimas da covid-19 até o momento no Brasil.
Uma segunda onda no atual contexto brasileiro poderá provocar maiores estragos do que a primeira, pois uma grande parcela da população que durante a primeira onda estava em isolamento social, hoje estão nas ruas e trabalhando. E o segundo ponto é que o estresse e o cansaço provocado nas pessoas durante o isolamento social no primeiro semestre deixarão todas essas pessoas menos propensas a uma adesão às novas propostas de regras de isolamento social, tal qual ocorre hoje no Hemisfério Norte, onde a população está indo às ruas protestar contra novos lockdowns e quarentenas obrigatórias. Uma segunda onda irá pegar todos de surpresa, num momento crítico onde a maioria acaba por “baixar a guarda” ao se expor mais ao vírus.
É interessante observarmos que todos os países europeus que hoje experimentam uma segunda onda, além de terem flexibilizado praticamente quase todas as atividades econômicas, também realizaram a reabertura das escolas durante a pandemia. No estado do Amazonas também houve uma abertura precoce das escolas ainda no mês de agosto deste ano, o que contribuiu sem sombra de dúvidas para o surgimento da segunda onda observada atualmente naquela região importante do país. Temos então as provas e evidências de que a reabertura precoce de creches, escolas e universidades numa pandemia, potencializam o crescimento dos contágios. Basta conversar com um professor ou funcionário administrativo de qualquer escola, creche ou universidade e perguntar sobre a dinâmica de funcionamento destas instituições, e saber o quanto o retorno às aulas presenciais, é capaz de impactar na mobilidade e na dinâmica de um bairro ou de uma cidade inteira. Até mesmo o comércio próximo das escolas, veem aumentar a sua clientela com os portões das escolas abertos. O trânsito se torna mais intenso nas zonas urbanas quando da abertura das escolas. E dentro das escolas, os milhares de contatos entre as crianças, e entre os professores, pais de alunos e de funcionários fazem deste ambiente escolar um ambiente singular de aglomerações e de contágios. Num shopping center ou numa avenida comercial é razoavelmente possível controlar a velocidade do fluxo de clientes nas lojas, porém numa escola essa é uma tarefa quase impossível, basta perguntar a quem já trabalhou ou trabalha em escola. Escola é ambiente de aglomeração, não existe escola sem aglomeração de pessoas. Deve-se somar a tudo isso o alto grau de precarização em que se encontram as escolas públicas no Brasil, o que dificulta muitíssimo na construção de ações de prevenção contra a covid-19, haja visto o grande número de escolas públicas brasileiras sem nenhuma estrutura básica de controle sanitário, como a ausência de sabão e água encanada nos banheiros e o elevado número de salas de aula sem janelas.
O que fazer então com as crianças fora das escolas?
Figura 02 – Algoritmo para a volta das crianças às aulas presenciais na escola
Conforme tudo visto e mencionado é preciso então, partindo da ideia do algoritmo acima, propor uma nova visão dentro do nosso cotidiano para com as nossas crianças, buscando a relação entre criar alternativas, entretenimentos, educação, lazer, criatividade e ludicidade. Com isso, a fim de minimizar os danos causados por esse cenário tanto para as crianças como para uma sociedade como um todo, pois todos fomos “lesionados” ou afetados de alguma forma como consequência da pandemia, seja através de, ansiedades, questionamentos, transtornos, solidão, sintomas físicos e mentais de uma forma geral. Partindo disso, buscamos desenvolver e construir fatores de proteção para nossas crianças principalmente nesse ambiente. É como se imaginarmos na ideia de um dia levarmos nossos filhos para a praia, nos preparamos antes, com avisos prévios, cuidados, os maiores acabam cuidando dos menores pois sabem lidar melhor com as ondas e ajudam os pequenos a se preparem e se protegerem. As ondas da vida são assim, vem e vão, por algumas vezes calmaria, já outras, avassaladoras, por isso o cuidado e preparação servirão de grande aporte em meio a esses momentos. Durante o crescimento da pandemia (1) na linha amarela no gráfico as crianças ficam dentro de casas, mantendo o isolamento social, desenvolvendo atividades lúdicas e criativas na medida do possível. Após o pico de sua evolução, já na fase descendente da faixa de contágio (2) os pais já podem levar seus filhos aos parquinhos, a brincar na rua seguindo as regras de cuidado e do distanciamento social e procurar manter essa atuação sem que haja o descuido e relaxamento com as medidas de proteção até alcançarmos a fase (3) onde há a chegada de uma vacina podendo assim retornar as atividades escolares e demais outras que estavam restringidas devido ao caos chamado Covid-19.
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