terça-feira, 22 de setembro de 2020

O Desafio com as Crianças na Pandemia: os jogos e as brincadeiras

 


(Escrito por Renato Coelho)

A pandemia do novo coronavirus vem provocando, além de um número muito grande de contágios e de óbitos, também uma mudança radical no comportamento e no cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo. Com as crianças não tem sido diferente. Muitas crianças permanecem em isolamento nos seus lares, e sem as aulas presenciais nas escolas. As escolas para as crianças não são apenas locais de apropriação de novos conteúdos e saberes, mas acima de tudo, um espaço de convívio social e de intensos relacionamentos.

Por questões de segurança sanitária, as escolas em grande parte do país, ainda permanecem fechadas desde o mês de março de 2020, a fim de se evitar o aumento de casos de covid-19, pois as escolas são consideradas ambientes super transmissores do novo coronavirus, em virtude das aglomerações e dos contínuos contatos dentro do ambiente escolar. A dinâmica de funcionamento de uma escola é muito diferente e mais complexa do que a de um shopping center, de um supermercado ou de um restaurante. Numa escola, diferentemente daqueles espaços citados, não há como controlar o fluxo de pessoas e as aglomerações são constantes e inevitáveis. Escola é por natureza lugar de contatos, interações e de aglomerações.

É sabido por todos, o grande fracasso do chamado Ensino à Distância (EaD) para as crianças no Brasil, principalmente em se falando de escolas públicas, que não oferecem nenhum apoio por parte do Estado que viesse a facilitar o acesso à internet e ao computador aos alunos matriculados. As experiências com o EaD tem demonstrado a falácia e a grande mentira em que se tornou o ensino remoto no Brasil. A precariedade das escolas e das famílias mais pobres é tamanha que as aulas se transformaram apenas em envio de mensagens e vídeos por whatsapp ou por outras ferramentas virtuais de mensagens, onde se observou que muitas famílias de alunos, se quer tinham condições de comprar crédito para os celulares a fim de que os filhos acompanhassem as aulas, e destacaram-se muitos lares em que apenas um único celular era compartilhado por vários integrantes da família ao mesmo tempo.

As aulas remotas jamais podem substituir ou se igualar em qualidade e interatividade relacional ao ambiente presencial das aulas na escola. E é exatamente esse tempo e espaço de convívio que as crianças, não somente do Brasil, mas do mundo inteiro, vem sentindo muita falta. Essa ausência do convívio com os colegas de escola, também a ausência das conversas, das brincadeiras e dos jogos realizados no ambiente escolar podem dificultar o desenvolvimento emocional, cognitivo e motor das crianças, desde que a família, os governos, as escolas ou os próprios pais não tenham condições ou oportunidades de ofertar e de criar meios substitutivos e adaptados para este novo contexto da infância na pandemia.

Quais seriam as alternativas para as crianças? As escolas são ambientes importantes e fundamentais para as crianças que vivem em sociedade se desenvolverem plenamente. Porém, as escolas também são ambientes onde existem a violência, o preconceito, o racismo, o individualismo, a concorrência, o machismo e todas as mazelas sociais, pois a escola é também reprodutora de todos os valores sociais e não está nunca circunscrita ou isolada do mundo, ela pode somente reproduzir ou refletir os valores de uma sociedade, assim como também pode ressignificar ou até mesmo servir de contraposição às mensagens do mundo. Entretanto, não cabe à escola resolver os problemas sociais, pois ela também faz parte dos problemas, e nós já sabemos que em uma sociedade de classes, as escolas tem como objetivo primordial a formação de mão de obra barata para o mercado de trabalho. Mas, contraditoriamente na pandemia do novo coronavirus, muitos estão descobrindo a verdadeira importância da escola como singular espaço de convívio e de aprendizagens na infância. Seja pela falta de onde colocar os filhos no tempo de trabalho, seja pela perda de aprendizagens significativas e sistematizadas que a escola é capaz de produzir, seja pela carência de relacionamentos das crianças com os antigos colegas de classe ou sejam por problemas emocionais gerados nas crianças pelo isolamento social e o consequente fechamento das escolas. Todas estas questões relacionadas às crianças no contexto da pandemia do novo coronavirus são relevantes e devem tomar a pauta das discussões e debates neste momento caótico da pandemia no Brasil.  

Muitas mães estão sobrecarregadas e à beira da loucura ao serem obrigadas a dividir o tempo com os trabalhos domésticos, o cuidar das crianças e o trabalho profissional, já que vivemos numa sociedade patriarcal e machista, onde infelizmente sempre cabem às mulheres o cuidar das crianças e todas as tarefas domésticas da família. E o novo coronavirus, além de descortinar essa violência de gênero, também veio potencializar a exploração sobre as mulheres em geral, e não é à toa, que na maioria das cidades do Brasil, as mulheres são mais contagiadas pelo vírus Sars-Cov-2 do que os homens. O vírus não prefere um sexo a outro, mas a pandemia na verdade revela tão somente as desigualdades de gênero já existentes e enraizadas há séculos na sociedade brasileira.

Para uma minoria de famílias privilegiadas, sobra a alternativa de compensar a ausência da escola com atividades lúdicas para as crianças com utilização de brinquedos, jogos, brincadeiras tradicionais e ainda jogos de tabuleiros. No atual contexto da pandemia, observamos que acaba mesmo sendo um luxo para os pais disporem tempo para os filhos, ou  terem disponibilidade para brincarem com seus filhos,  já que muitos pais estão experimentando no contexto atual a intensificação e a precarização do trabalho, nas formas de perdas na renda familiar, aumento da inflação, abalos emocionais e adoecimentos. Mas talvez tentar exercer este grande  esforço em disponibilizar tempo e dialogar om as crianças em plena pandemia, será uma das poucas heranças positivas deste momento de devastação e de barbárie que a pandemia nos revela.

Os jogos e brincadeiras são capazes de promover nas crianças o desenvolvimento da criatividade e também das suas funções psicológicas superiores como a linguagem, o raciocínio, a memória, o pensamento simbólico e também  as suas capacidades motoras.

Existe uma frase muito utilizada por professores e coordenadores de escolas que diz assim: “Escola não é lugar de brincadeiras”, porém onde não há brincadeira, não há o desenvolvimento infantil de crianças. A escola, a casa, a sala, o quintal, a rua, todos estes são lugares do brincar. A rua, o lugar mais importante do brincar, ainda está ocupado pelo vírus e oferece riscos às crianças no momento atual em Goiás. Porém, uma sala pode virar uma nave espacial na brincadeira, o quintal se transforma num planeta desconhecido no imaginário infantil quando se brinca. E tudo isso se traduz em desenvolvimento infantil. A criança não aprende somente na escola, ela também aprende em casa e brincando. A brincadeira é capaz de facilitar a aprendizagem da linguagem, do conhecimento lógico matemático e faz com que as crianças se apropriem no processo do brincar dos códigos sociais e da cultura humana. A criança que brinca está se relacionando com sigo mesma, com as outras crianças e também com todas as gerações humanas anteriores, pois o brincar é uma construção social. No brincar a criança se faz humano.

Por isso, mesmo durante o isolamento social,  é importante sempre que possível planejar o tempo das crianças em casa com atividades lúdicas compostas por jogos e brincadeiras. E para se respeitar as regras de isolamento social e evitar contágios com outras famílias de crianças, os próprios pais podem dedicar tempo brincando com seus filhos. Talvez uma mãe ou pai não tenha muito conhecimento sobre alfabetização de crianças ou de álgebra para poder ajudar os filhos nas atividades escolares em casa, mas podem sim brincar com as crianças de faz de conta, com jogos populares e brincadeiras tradicionais. A brincadeira é uma linguagem universal e todos são capazes de aprender e de ensinar. Todos nós conhecemos alguma brincadeira ou jogos da nossa própria infância.

Portanto, brinquemos todos os dias com as crianças e com todas as crianças, mesmo que as escolas não reabram tão cedo.

 

 

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