terça-feira, 28 de novembro de 2017

Relato Experiência - Novembro

AS RELAÇÕES ENTRE A ZONA DE DESENVOLVIMENTO IMINENTE E O BRINCAR  EM VIGOTSKI


INTRODUÇÃO

Este trabalho se constitui em um relato de experiência sobre os estudos e debates realizados nos encontros do Projeto de Extensão LABBRINC (Laboratório de Jogos e Brincadeiras Vigotski) da UEG Campus Goiânia ESEFFEGO realizado durante o ano de 2017. As obras de Vigotski foram estudadas e discutidas nos encontros quinzenais do LABBRINC, com a participação de alunos e professores da Universidade Estadual de Goiás.
Vigotski descreve a importância do imaginário na vida da criança. O autor destaca que o mundo infantil não é um mundo à parte ou desconectado do real, mas que existe a partir do real, onde a criança não apenas repete o vivido, mas cria e recria o próprio vivido.
Acredito que, se as necessidades não realizáveis imediatamente não se desenvolvessem durante os anos escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez que eles parecem ser inventados justamente quando as crianças começam a experimentar tendências irrealizáveis. (VIGOTSKI, 2003, p. 122)

Para Vigotski todo jogo possui regras e também elementos do imaginário. As brincadeiras de faz-de-conta, por exemplo, possuem regras que são apropriadas através da própria vida social, os chamados códigos sociais são apropriados e internalizados pela criança em seu cotidiano e no próprio ato de brincar. Os jogos regrados, como o jogo de xadrez, que possui regras bastante rígidas, também possuem elementos do imaginário em sua execução.





Pode-se ainda ir além, e propor que não existe brinquedo sem regras. A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori. A criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma, deve obedecer as regras do comportamento maternal. (VIGOTSKI, 2003, p.124 )

Segundo Vigotski, a criança na chamada primeira infância age sempre em função do que vê, ou seja, suas ações ficam presas ao campo ótico (visual). Porém, já na idade pré-escolar, ocorrre uma reviravolta, pois a criança ao brincar consegue separar o campo ótico do campo semântico, separando de fato o objeto da idéia. O autor cita o exemplo da vassoura, que no brincar transforma-se em um cavalo para a criança, promovendo a ruptura entre objeto e significado. Tal fato decorre do desenvolvimento das funções simbólicas da criança, onde o brincar se torna elemento fundamental e relevante neste processo.
                                                                                                 
METODOLOGIA

Através de encontros quinzenais com professores e estudantes de Educação Física da UEG Campus Goiânia ESEFFEGO, realizamos estudos sistematizados das obras de L.S. Vigotski,  relacionando suas contribuições para a área da Educação Física, especialmente no que tange aos conteúdos relacionados aos jogos e brincadeiras. Através do estudo detalhado e sistematizado das obras de Vigotski, e também a análise minuciosa do contexto histórico em que foram escritas tais obras, pôde-se compreender melhor o pensamento e a própria linguagem deste importante escritor russo, trazendo para os dias atuais as contribuições e o legado de suas teorias, principalmente para o estudo da infância, dos jogos e da própria Educação Física Escolar. Todos os sujeitos integrantes do projeto participaram de forma ativa através de discussões, opiniões, debates e vivências sobre infância, atividades lúdicas e suas relações com a Teoria Histórico Cultural de Vigotski. Os encontros foram todos construídos de forma democrática e dialógica, onde todos os sujeitos envolvidos, após a leitura prévia dos textos e livros de Vigotski, realizaram suas intervenções nas discussões e deram as suas contribuições pertinentes. As reuniões quinzenais foram realizadas no Campus Goiânia ESEFFEGO  durante os meses de setembro, outubro e novembro de 2017.
            Através de leituras, discussões, análises e apontamentos das obras de Vigotski apresentadas previamente a cada encontro, todos os participantes se apropriam dos conceitos e teorias de L.S. Vigotski e ainda relacionam as categorias e os temas abordados com a área da Educação Física Escolar. Todos os relatos dos encontros foram também divulgados quinzenalmente no blog do projeto (http://labbrincvigotski.blogspot.com.br/).

REFERENCIAL TEÓRICO

Por que a criança brinca? Esse é um dos questionamentos que Vigotski faz ao leitor, explicando que a brincadeira infantil surge a partir dos desejos irrealizáveis dentro do mundo adulto, e que  são  satisfeitos através de uma ação imaginária e ilusória, a brincadeira. 

Para resolver esta tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, esse mundo é o que chamamos de brinquedo. (VIGOTSKI, 2003, p. 122)

Quando a criança pré-escolar deseja andar de cavalo, mas sabe da impossibilidade de realizar este seu desejo, então, ela começa a brincar com a vassoura por exemplo, e este objeto, de forma imaginária, se torna um cavalo.
Para Vigotski, a criança na fase da primeira infância, não consegue diferenciar o campo visual do campo semântico. Já a partir dos 03 anos (idade pré-escolar) a criança passa então a distinguir o campo visual e o semântico, ou seja, diferencia aquilo que vê (objeto) de seu significado (sentido). "Isso torna-se possível em razão da divergência, que surge na idade pré-escolar, entre o campo visual e o semântico." (VIGOTSKI, 2003, p. 128).
Para Vigotski o brincar infantil não é um lugar separado do real, ao contrário, para este autor a brincadeira e a própria situação real coincidem, sendo que as próprias regras do brincar advêm das regras do comportamento real, não sendo assim uma ação fantástica.

Para Vigotski qualquer situação imaginária vivenciada pela criança possui em si regras de comportamento, e  também qualquer brincadeira com regras contem também situações do imaginário. Logo, para o autor a criança é livre, mas esta liberdade da criança é apenas  ilusória.
Vigotski ressalta ainda que durante a chamada primeira infância, a força impulsionadora para a criança está nos objetos, e estes acabam determinando o seu próprio comportamento. Já na idade pré-escolar, isso de fato não acontece mais, pois os objetos em si acabam perdendo o seu poder impulsionador de outrora, já que a criança começa a agir de forma diferente em relação a tudo o que vê.

Devido ao fato de, por exemplo, um pedaço de madeira começar a ter papel de boneca, um cabo de vassoura tornar-se um cavalo, a ideia separar-se do objeto, a ação, em conformidade com as regras, começa a determinar-se pelas ideias e não pelo próprio objeto. (VIGOTSKI, 2008, p.129).

Segundo Vigotski, nessa guinada na relação entre ideia/objeto, a brincadeira cumpre um papel fundamental e proporciona a efetiva transição para isso. O objeto que antes possuía predominância, passa então, a partir deste chamado momento crítico,  a ser um elemento subordinado ao sentido, e este por sua vez passa a ter predominância sobre o próprio objeto. Numa relação matemática, teríamos em um primeiro momento a razão OBJETO/SENTIDO representando a supremacia do campo visual sobre o semântico na primeira infância (0-3 anos). A razão se inverte quando surge o momento crítico, ou seja, quando o campo semântico (significados) supera o campo visual, criando uma nova relação SENTIDO/OBJETO, onde a partir de agora a criança passa a abstrair o próprio objeto, dando-lhe novos sentidos com base no imaginário. "No brionquedo o significado torna-se o ponto central e os objetos são deslocados de uma posição dominante para uma posição subordinada." (VIGOTSKI, 2003, p.129).


objeto predominante                       objeto subordinado

OBJETO                   momento crítico              SENTIDO
SENTIDO                                                          OBJETO

              As intenções e ações lúdicas no jogo possibilitam a criação da zona de desenvolvimento iminente, promovendo a internalização do real e o desenvolvimento cognitivo. Dentro da contradição da criança entre a impossibilidade do desejo e a necessidade imediata do querer fazer, Vygotski então afirma: “Esta subordinação estrita às regras é quase impossível na vida; no entanto torna-se possível no brinquedo. Assim o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança.” (VYGOTSKY, 2003, p.134).
Em qualquer ação produtiva do nosso cotidiano, o significado e o sentido estão sempre interligados de uma dada forma, ou seja, cada atitude tem um objetivo ligado a um motivo, é o seu sentido; e cada operação por nós realizada possui um dado conteúdo, ou seja, o seu significado. Porém no brincar da criança, essas relações não são as mesmas, ocorrendo uma ruptura entre sentido e significado. Para uma criança que brinca de “cavalinho”, a vassoura retém seu significado, ou seja, continua sendo uma vassoura, porém ela adquire o sentido de cavalo na imaginação infantil, assumindo seu sentido lúdico.

RESULTADOS PARCIAIS

Dentro do jogo, a criança também pode produzir muito além daquilo que conhece ou sabe. Todos conhecemos o grande papel que nos jogos infantis desempenha a imitação, com muita freqüência, estes jogos são apenas um eco do que as crianças viram e escutaram dos adultos, não obstante estes elementos da sua experiência anterior nunca se reproduzem no jogo de forma absolutamente igual e como aconteceu na realidade. O jogo da criança não é uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação criadora das impressões para a formação de uma nova realidade que responde às exigências e inclinações da própria criança.
              Logo, o brincar da criança passa a ser uma transformação criadora, ela também tem a possibilidade de criar, mas cria a partir do que conhece e das oportunidades oferecidas, dentro de suas próprias necessidades e preferências. Dentro do jogo resgata-se na criança sua posição de sujeito histórico e social, pois ela cria, ela imagina, ela pode participar ativamente do processo lúdico.
              Tais processos criativos se dão dentro da zona de desenvolvimento iminente. O jogo ou brincadeira, numa esfera lúdica, ajuda a construir a subjetividade do sujeito, e neste ambiente imaginativo-criativo e simbólico, permite-se alterações qualitativas das estruturas mentais superiores, promovendo o desenvolvimento pleno.
CONCLUSÃO
              Portanto, os jogos e brincadeiras possuem papel fundamental para a formação da plasticidade cerebral através de processos criativos, que irão transformar qualitativamente as funções cerebrais, e não somente isso, mas o próprio brincar proporciona o surgimento da zona de desenvolvimento iminente, capaz de promover o desenvolvimento das funções psicológicas superiores da criança, caracterizando o brincar como atividade principal da infância. Dentro do jogo resgata-se na criança sua posição de sujeito de direitos, sujeito histórico e social, pois ela cria, ela imagina, ela então pode participar ativamente do processo lúdico.


REFERÊNCIAS

VIGOTSKI, L.S. A Formação Social da Mente – o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Palavras-chave: Educação. Teoria Histórico Cultural. Vigotski. Brincar


Nenhum comentário:

Postar um comentário