AS RELAÇÕES ENTRE A ZONA DE DESENVOLVIMENTO
IMINENTE E O BRINCAR EM VIGOTSKI
INTRODUÇÃO
Este
trabalho se constitui em um relato de experiência sobre os estudos e debates
realizados nos encontros do Projeto de Extensão LABBRINC (Laboratório de Jogos
e Brincadeiras Vigotski) da UEG Campus Goiânia ESEFFEGO realizado durante o ano
de 2017. As obras de Vigotski foram estudadas e discutidas nos encontros
quinzenais do LABBRINC, com a participação de alunos e professores da
Universidade Estadual de Goiás.
Vigotski descreve a importância do
imaginário na vida da criança. O autor destaca que o mundo infantil não é um
mundo à parte ou desconectado do real, mas que existe a partir do real, onde a
criança não apenas repete o vivido, mas cria e recria o próprio vivido.
Acredito que, se as necessidades não realizáveis imediatamente não se
desenvolvessem durante os anos escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez
que eles parecem ser inventados justamente quando as crianças começam a
experimentar tendências irrealizáveis. (VIGOTSKI, 2003, p. 122)
Para Vigotski todo jogo possui
regras e também elementos do imaginário. As brincadeiras de faz-de-conta, por
exemplo, possuem regras que são apropriadas através da própria vida social, os
chamados códigos sociais são apropriados e internalizados pela criança em seu
cotidiano e no próprio ato de brincar. Os jogos regrados, como o jogo de
xadrez, que possui regras bastante rígidas, também possuem elementos do
imaginário em sua execução.
Pode-se ainda ir além, e propor que não existe brinquedo sem regras. A
situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de
comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a
priori. A criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma,
deve obedecer as regras do comportamento maternal. (VIGOTSKI, 2003, p.124 )
Segundo Vigotski, a criança na
chamada primeira infância age sempre em função do que vê, ou seja, suas ações
ficam presas ao campo ótico (visual). Porém, já na idade pré-escolar, ocorrre
uma reviravolta, pois a criança ao brincar consegue separar o campo ótico do
campo semântico, separando de fato o objeto da idéia. O autor cita o exemplo da
vassoura, que no brincar transforma-se em um cavalo para a criança, promovendo
a ruptura entre objeto e significado. Tal fato decorre do desenvolvimento das
funções simbólicas da criança, onde o brincar se torna elemento fundamental e
relevante neste processo.
METODOLOGIA
Através
de encontros quinzenais com professores e estudantes de Educação Física da UEG
Campus Goiânia ESEFFEGO, realizamos estudos sistematizados das obras de L.S.
Vigotski, relacionando suas
contribuições para a área da Educação Física, especialmente no que tange aos
conteúdos relacionados aos jogos e brincadeiras. Através do estudo detalhado e
sistematizado das obras de Vigotski, e também a análise minuciosa do contexto
histórico em que foram escritas tais obras, pôde-se compreender melhor o
pensamento e a própria linguagem deste importante escritor russo, trazendo para
os dias atuais as contribuições e o legado de suas teorias, principalmente para
o estudo da infância, dos jogos e da própria Educação Física Escolar. Todos os
sujeitos integrantes do projeto participaram de forma ativa através de
discussões, opiniões, debates e vivências sobre infância, atividades lúdicas e
suas relações com a Teoria Histórico Cultural de Vigotski. Os encontros foram
todos construídos de forma democrática e dialógica, onde todos os sujeitos envolvidos,
após a leitura prévia dos textos e livros de Vigotski, realizaram suas
intervenções nas discussões e deram as suas contribuições pertinentes. As
reuniões quinzenais foram realizadas no Campus Goiânia ESEFFEGO durante os meses de setembro, outubro e
novembro de 2017.
Através
de leituras, discussões, análises e apontamentos das obras de Vigotski
apresentadas previamente a cada encontro, todos os participantes se apropriam
dos conceitos e teorias de L.S. Vigotski e ainda relacionam as categorias e os
temas abordados com a área da Educação Física Escolar. Todos os relatos dos
encontros foram também divulgados quinzenalmente no blog do projeto (http://labbrincvigotski.blogspot.com.br/).
REFERENCIAL TEÓRICO
Por que a criança brinca? Esse é um
dos questionamentos que Vigotski faz ao leitor, explicando que a brincadeira
infantil surge a partir dos desejos irrealizáveis dentro do mundo adulto,
e que são satisfeitos através de uma ação imaginária
e ilusória, a brincadeira.
Para
resolver esta tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo
ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados,
esse mundo é o que chamamos de brinquedo. (VIGOTSKI, 2003, p. 122)
Quando
a criança pré-escolar deseja andar de cavalo, mas sabe
da impossibilidade de realizar este seu
desejo, então, ela começa a brincar com a vassoura por
exemplo, e este objeto, de forma imaginária, se torna um cavalo.
Para Vigotski, a criança na
fase da primeira infância, não consegue diferenciar o campo
visual do campo semântico. Já a partir dos 03 anos (idade pré-escolar)
a criança passa então a distinguir o campo visual e
o semântico, ou seja, diferencia aquilo
que vê (objeto) de seu significado (sentido). "Isso
torna-se possível em razão da divergência,
que surge na idade pré-escolar, entre o campo visual e
o semântico." (VIGOTSKI, 2003, p. 128).
Para Vigotski o brincar infantil
não é um lugar separado do real, ao contrário, para este autor a
brincadeira e a própria situação real coincidem, sendo
que as próprias regras do brincar advêm das
regras do comportamento real, não sendo assim uma ação fantástica.
Para Vigotski
qualquer situação imaginária vivenciada pela criança possui
em si regras de comportamento, e também qualquer brincadeira com
regras contem também situações do imaginário. Logo,
para o autor a criança é livre, mas esta liberdade da criança é
apenas ilusória.
Vigotski ressalta ainda que durante a chamada
primeira infância, a força impulsionadora para
a criança está nos objetos, e estes acabam determinando o
seu próprio comportamento. Já na idade pré-escolar, isso de
fato não acontece mais, pois os objetos em si acabam perdendo
o seu poder impulsionador de outrora, já que
a criança começa a agir de forma diferente
em relação a tudo o que vê.
Devido ao fato de, por exemplo,
um pedaço de madeira começar a ter papel de boneca, um
cabo de vassoura tornar-se um cavalo, a ideia separar-se do objeto,
a ação, em conformidade com as regras, começa a determinar-se
pelas ideias e não pelo próprio objeto. (VIGOTSKI, 2008, p.129).
Segundo Vigotski, nessa guinada
na relação entre ideia/objeto, a brincadeira cumpre um papel
fundamental e proporciona a efetiva transição para isso. O objeto que
antes possuía predominância, passa então, a partir deste chamado momento
crítico, a ser um elemento subordinado ao sentido, e este por sua vez
passa a ter predominância sobre o próprio objeto. Numa relação matemática,
teríamos em um primeiro momento a razão OBJETO/SENTIDO representando a supremacia do campo visual
sobre o semântico na primeira infância (0-3 anos). A razão se inverte quando
surge o momento crítico, ou seja, quando o campo semântico (significados)
supera o campo visual, criando uma nova relação SENTIDO/OBJETO, onde a partir de agora a criança passa a
abstrair o próprio objeto, dando-lhe novos sentidos com base no imaginário. "No
brionquedo o significado torna-se o ponto central e os objetos são deslocados
de uma posição dominante para uma posição subordinada." (VIGOTSKI, 2003, p.129).
objeto
predominante
objeto subordinado
OBJETO
momento crítico
SENTIDO
SENTIDO
OBJETO
As intenções e ações lúdicas no
jogo possibilitam a criação da zona de desenvolvimento iminente, promovendo a
internalização do real e o desenvolvimento cognitivo. Dentro da contradição da
criança entre a impossibilidade do desejo e a necessidade imediata do querer
fazer, Vygotski então afirma: “Esta subordinação estrita às regras é quase
impossível na vida; no entanto torna-se possível no brinquedo. Assim o
brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança.” (VYGOTSKY,
2003, p.134).
Em
qualquer ação produtiva do nosso cotidiano, o significado e o sentido estão
sempre interligados de uma dada forma, ou seja, cada atitude tem um objetivo
ligado a um motivo, é o seu sentido; e cada operação por nós realizada possui
um dado conteúdo, ou seja, o seu significado. Porém no brincar da criança,
essas relações não são as mesmas, ocorrendo uma ruptura entre sentido e
significado. Para uma criança que brinca de “cavalinho”, a vassoura retém seu
significado, ou seja, continua sendo uma vassoura, porém ela adquire o sentido
de cavalo na imaginação infantil, assumindo seu sentido lúdico.
RESULTADOS
PARCIAIS
Dentro
do jogo, a criança também pode produzir muito além daquilo que conhece ou sabe.
Todos conhecemos o grande papel que nos jogos infantis desempenha a imitação,
com muita freqüência, estes jogos são apenas um eco do que as crianças viram e
escutaram dos adultos, não obstante estes elementos da sua experiência anterior
nunca se reproduzem no jogo de forma absolutamente igual e como aconteceu na
realidade. O jogo da criança não é uma recordação simples do vivido, mas sim a
transformação criadora das impressões para a formação de uma nova realidade que
responde às exigências e inclinações da própria criança.
Logo, o brincar da criança passa a
ser uma transformação criadora, ela também tem a possibilidade de criar, mas
cria a partir do que conhece e das oportunidades oferecidas, dentro de suas
próprias necessidades e preferências. Dentro do jogo resgata-se na criança sua
posição de sujeito histórico e social, pois ela cria, ela imagina, ela pode
participar ativamente do processo lúdico.
Tais processos criativos se dão
dentro da zona de desenvolvimento iminente. O jogo ou brincadeira, numa esfera
lúdica, ajuda a construir a subjetividade do sujeito, e neste ambiente
imaginativo-criativo e simbólico, permite-se alterações qualitativas das
estruturas mentais superiores, promovendo o desenvolvimento pleno.
CONCLUSÃO
Portanto, os jogos e brincadeiras
possuem papel fundamental para a formação da plasticidade cerebral através de
processos criativos, que irão transformar qualitativamente as funções
cerebrais, e não somente isso, mas o próprio brincar proporciona o surgimento
da zona de desenvolvimento iminente, capaz de promover o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores da criança, caracterizando o brincar como
atividade principal da infância. Dentro do jogo resgata-se na criança sua
posição de sujeito de direitos, sujeito histórico e social, pois ela cria, ela
imagina, ela então pode participar ativamente do processo lúdico.
REFERÊNCIAS
VIGOTSKI, L.S. A Formação Social da Mente – o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
Palavras-chave: Educação. Teoria Histórico Cultural. Vigotski.
Brincar
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