De tempos em tempos o mundo é
surpreendido por pandemias capazes de provocar
milhões de contágios e de mortes em todos os confins do planeta. Porém,
o que temos observado ao longo da história é que a frequência no surgimento de
pandemias tem sido cada vez menores, ou seja, em intervalos mais curtos de
tempo surgem novas pandemias, e não somente isso, os vírus que originam as
pandemias são cada vez mais agressivos, contagiosos e também mais letais. Os
vírus são elementos essenciais para a manutenção da vida na Terra e as pandemias
são na sua maioria fenômenos da própria natureza e que representam mecanismos
de preservação das espécies. Entretanto, estes fenômenos da natureza podem
também ser antecipados e potencializados pela ação humana intencional e destrutiva sobre o
planeta.
Em 1918, houve a pandemia da
chamada gripe espanhola, cujo gatilho inicial da explosão de casos foi
provocado pelo grande movimento de soldados e de tropas durante a I Guerra
Mundial. Já a atual pandemia do novo coronavirus tem como principal agente
catalisador a grande mobilidade humana em aeroportos e rodovias de todo o mundo
neste período denominado de globalização. Somam-se ainda para esse processo de
crescimento viral, a grande destruição da natureza, já que desmatamentos,
extinção de espécies e a captura de animais selvagens expõe a humanidade a uma infinitude
de novos e desconhecidos vírus.
O contexto do mundo em 1918
era totalmente diferente do atual, as relações político-econômicas eram muito distintas
destas em que vivemos neste início do século XXI. Naquela época se expandia o
modelo fordista de produção nas fábricas, dentro de um processo linear, repetitivo,
especializado de produção capitalista e ainda caracterizado pela expansão do
consumo e de novos mercados. A ciência também se desenvolveu muitíssimo neste
complexo período de guerras entre as nações durante as primeiras décadas do
século XX. O conhecimento científico alcançado e todo o desenvolvimento tecnológico adquirido nestes
últimos cem anos permitiram grandes conquistas e feitos para a humanidade em
várias áreas como na medicina, física, química e engenharias. A ciência hoje atingiu
níveis de complexidade e de especializações inimagináveis para as mais
otimistas mentes das primeiras décadas do século passado. Entretanto, mesmo após
passado um século na história, existem muitas
semelhanças entre a pandemia da gripe espanhola ocorrida em 1918 e a pandemia atual
do novo coronavirus, mesmo considerando os cenários e os contextos tão
distintos entre estes dois momentos importantes da história recente. Cem anos
separam essas duas pandemias e muitas transformações e mudanças ocorreram na
história, na economia, na sociedade e na cultura humana, porém, vários
acontecimentos coincidentes e fatos irônicos ainda insistem em perdurar ou se repetirem na história destas duas pandemias
separadas pelo espaço de tempo de mais de um século. O extraordinário
desenvolvimento da ciência atual não foi suficiente e nem capaz de derrubar
crenças ou de abalar valores, preconceitos e paradigmas que remontam das
primeiras décadas do século passado, mas que se vislumbram também no atual momento da pandemia da covid-19. Isso
demonstra na verdade que todos os conhecimentos e saberes produzidos pela
complexa, moderna e fascinante ciência deste século XX, não esteja tão facilmente acessível à maior
parte da população mundial quanto parece, exceto na forma de mercadorias
tecnológicas, colaborando assim para a alienação de indivíduos e que por sua
vez favorece a uma maior manipulação, controle e opressão por parte dos Estados
nacionais.
Existem várias teorias sobre o
surgimento da gripe espanhola, fatos históricos importantes apontam que o vírus
tenha surgido pela primeira vez nos EUA em 1918, no Fort Riley, que era uma
instalação militar no estado do Kansas e que, logo após a deflagração da I Guerra Mundial e o contínuo
deslocamento das tropas americanas e de
soldados pela Europa, provocaram a partir daí vários surtos de casos em
diferentes partes do mundo, convergindo para o surgimento da pandemia de 1918 (SILVA,
2000).
O nome de gripe “espanhola”
surge porque a Espanha por não participar da I Guerra Mundial, tinha total
liberdade por parte da imprensa para a divulgação sobre os relatos e acontecimentos sobre a I Guerra Mundial, incluindo as estatísticas e
mortes na pandemia pelo mundo, daí o nome de “gripe espanhola” , pois a
pandemia passou a ser conhecida em todo o mundo graças ao trabalho de
divulgação realizado pela imprensa espanhola. Na maioria dos países que estavam
envolvidos na guerra, era proibido a publicação sobre assuntos ligados à gripe
espanhola, numa tentativa clara de esconder da população os números de
infectados e de mortos naquela pandemia. Os próprios governos proibiam ou mesmo
manipulavam os dados sobre a pandemia da gripe espanhola em seus países, a fim
de não permitir que a propagação da doença afetasse direta ou indiretamente a popularidade destes governantes ou os rumos
da guerra.
Naquele período não se sabia qual
era o agente que provocava a gripe espanhola, não havia se quer uma
visualização dos vírus, pois o microscópio eletrônico foi inventado somente duas
décadas depois, em 1940. E o verdadeiro vírus causador da gripe espanhola só
foi descoberto recentemente, e hoje é conhecido como H1N1 o vírus que devastou o
mundo a partir de 1918. Mas a medicina daquele início de século XX era ainda
pouco desenvolvida para a compreensão da dinâmica de uma pandemia. Os médicos
não sabiam ao certo os mecanismos exatos de transmissão da gripe espanhola e nem
mesmo dominavam medicamentos eficientes para tratamento dos doentes, ainda não
havia sido descoberto os antibióticos. E o que era pior, a maioria da população
mundial não tinha acesso à saúde, medicamentos ou ao atendimento médico
hospitalar de qualidade. Bilhões de trabalhadores em todo o mundo vendiam as suas
forças, tempo, energias e toda a saúde para a produção de capital, e acabavam
sendo tratados apenas como objetos e mão
de obra barata, que poderia ser descartável e substituída a qualquer momento
que se quisesse. Naquele período, assim como hoje na pandemia da covid-19, a
maior parte das mortes se deve não às formas agressivas e desconhecidas de agir
do vírus Sars-Cov-2, mas sim à total desassistência médico-hospitalar dos trabalhadores
no mundo capitalista, ficando sempre o trabalhador entregue à própria sorte sem
assistência de saúde de qualidade, sem respiradores e sem UTI´s, seja um trabalhador
do norte da Itália, da França, dos EUA ou um trabalhador da cidade de Manaus no
Brasil. O vírus Sars-Cov-2 foi identificado e todo o seu código genético decifrado
em apenas alguns meses após a descoberta do primeiro surto em Wuhan na China.
Vacinas estão sendo fabricadas e testadas em tempo recorde, porém, a velocidade
de propagação do vírus Sars-Cov-2, que é a mesma velocidade de propagação de mercadorias
e de pessoas na sociedade capitalista, tem ceifado milhões de vidas também em
tempo recorde, numa sociedade onde tempo é dinheiro, e onde a vida humana não
vale mais do que o lucro do capital. Quanto menos valor tem a vida humana, mais
fácil é para o vírus abreviar e aniquilar essas vidas.
Provavelmente o grande fluxo
de soldados que retornaram para os seus países de origem, após o final da I
Guerra Mundial, tenham de fato potencializado as transmissões no mundo e assim
dado início à pandemia da gripe espanhola de 1918. Atualmente se sabe também
que os principais locais propagadores do novo coronavirus foram inicialmente os
aeroportos de todo o mundo e em seguida as rodovias dos países. O vírus se
espalhou pelo mundo primeiramente viajando através dos fluxos de aviões pelo
mundo e em seguida o vírus passou a viajar pelas estradas e rodovias mais
movimentadas dos países capitalistas, e em virtude disso, primeiramente foram
atingidas pela pandemia primeiramente os grandes centros urbanos e capitais com
aeroportos de grande movimentação, e em seguida as cidades e regiões
periféricas do interior através de suas malhas viárias.
A gripe espanhola também
recebeu vários nomes diferentes, dependendo do país que era atingido pela
pandemia. Na Espanha ela era chamada de “gripe da Rússia”. Em alguns países
europeus era chamada de “gripe chinesa”. No Brasil foi denominada de “gripe
espanhola”. Hoje na pandemia do novo coronavirus, houveram tentativas de ideologização
ao tentar vincular o vírus à China, denominando-o pejorativamente e de forma
preconceituosa de “vírus Chinês”, numa clara tentativa política em querer desvincular
o vírus e a pandemia do seu verdadeiro causador: o sistema de produção
capitalista.
Segundo estudos atuais a gripe
espanhola matou entre 50 a 100 milhões de pessoas e cerca de 600 milhões de
pessoas foram infectadas em todo o mundo. A pandemia da gripe espanhola que teve
início em 1918, perdurou por cerca de três (3) anos, finalizando a propagação e
os contágios somente em 1921, mas acabou se transformando numa endemia, já que
o vírus H1N1 existe ainda hoje.
No Brasil os números de mortes
pela gripe espanhola foram subnotificados, e os números oficiais da época
apontam um total de 35 mil mortes, mas estudos apontam que o número total tenha
sido muito superior ao divulgado pelo governo. No país a gripe espanhola foi denominada
por muitas autoridades políticas e por gestores como sendo apenas uma "gripezinha". Na
época existiam várias recomendações para o tratamento que iam desde a famosa
quinina, remédio extraído do caule de uma árvore, e que ainda hoje é o principal elemento ativo do medicamento farmacêutico
denominado Cloroquina, recomendado para o tratamento de pacientes em estado
grave da covid-19, mas que não possui nenhuma evidência científica verdadeiramente
comprovada, também foi muito recomendado o uso de cachaça com mel e limão (aqui
se dá o surgimento no Brasil da mais famosa bebida brasileira, a “caipirinha”).
Porém, através de experiências práticas e mesmo não tendo conhecimento sobre a
ação dos vírus, se sabia na época da eficácia do distanciamento e do isolamento
social para o controle e mitigação dos contágios da doença, assim como também
da utilização de máscaras em locais públicos.
Assim vemos que a ação da
pandemia de gripe espanhola no mundo foi devastadora ao provocar um número exagerado
de mortos em todo o mundo (estima-se um total de 100 milhões de mortos nas três
ondas da pandemia de gripe espanhola entre 1918 e 1921), e também a atual
pandemia da covid-19 também tem contabilizado números assustadores de mortos e
de contágios. Em outubro de 2020 já foram registrados mais de 1 milhão de
mortos em apenas 6 meses desde o início dos contágios na China e cerca de 35 milhões
de contaminados em todo o planeta segundo dados divulgados pela Universidade de
Jonhs Hopkins. Em que pese a utilização político-ideológica da pandemia em
ambos os momentos analisados, também a postura negacionista em relação à ciência, em questões ligadas à realidade das transmissões e dos mecanismos virais na gripe espanhola
e na covid-19, fatores esses que contribuíram e que contribuem sobremaneira para o aumento do número de
óbitos e também para a prorrogação no tempo de não controle da pandemia, ou
seja, para a manutenção do descontrole da pandemia, como assistimos atualmente
na maioria dos países do mundo, inclusive no Brasil.
Destacamos ainda que passados cerca
de 100 anos entre ambas epidemias analisadas, muita coisa ainda não mudou. As
posturas negacionistas, as limitações da ciência, a falta de assistência social
aos trabalhadores em tempos de pandemia, a falta de hospitais e de atendimento
à saúde dos trabalhadores, demonstram que numa sociedade de classes baseada no
modelo de produção capitalista, a vida humana não possui valor ou importância a
não ser para produção do próprio capital. Assistimos o pleno funcionamento das
atividades econômicas em pleno crescimento exponencial de contágios pelo vírus
Sars-Cov-2, pois ao trabalhador pobre não lhe é dado nenhuma assistência social de modo a
garanti-lhe o isolamento social pleno e eficaz para evitar a sua contaminação.
O que se percebe é prática de políticas escancaradas de exposição do trabalhador
ao vírus nos locais de trabalho e nos transportes e locais públicos, cujo
resultado final é a prática de ações de cunho genocidas contra a maioria de trabalhadores
pobres e precarizados em todos os países do mundo capitalista.
Bibliografia
ALVES, G. W. Uma comparação entre a pandemia de Gripe Espanhola e a Pandemia de Coronavirus. UFRGS. Porto Alegre, 2020. Visualizado em 02/10/2020 em: <www.ufrgs.br>
SILVA, D. N. Gripe Espanhola. História do Mundo. 2002. Visualizado em 02/10/2010 em: <www.historiadomundo.com.br>
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