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quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Pandemia, Trabalho e Racismo

                             



(Escrito por Renato Coelho)

Atualmente tem-se constado um número gigantesco de contágios e de mortes por covid-19 no Brasil, sendo computados hoje mais de 5 milhões de contágios e cerca 150 mil mortos, números absurdamente altos, mesmo sabendo que estas estatísticas oficiais são todas subnotificadas. O que observamos na verdade é que todas essas mortes se devem essencialmente à falta de assistência médico hospitalar às vítimas do coronavírus. Não somente no Brasil, mas em todo o mundo, seja em países ricos ou pobres, o atendimento médico hospitalar se transformou em “business”, ou seja, em um grande negócio do mercado mundial. 

O sistema capitalista não possui nenhum compromisso com a qualidade ou acesso à saúde pelos trabalhadores em geral. E quando a saúde das pessoas se transforma apenas em mercadoria, o que se vislumbra no presente é a exclusão e o genocídio de trabalhadores pobres em todo o mundo, seja em países ricos como os EUA ou em países pobres, como no caso do Brasil. Mesmo possuindo um sistema público e gratuito de saúde (Sistema Único de Saúde – SUS), que atende uma grande parte da população mais pobre e carente e que não possuem condições de pagar um plano de saúde privado, a pandemia contabiliza milhares de vítimas entre a classe mais pobre. Tal sistema público brasileiro, o SUS, encontra-se atualmente sucateado, com precarização das condições de trabalho e ainda com baixa remuneração dos trabalhadores da saúde. Diante desta triste realidade, não podemos nunca dizer que a covid-19 é uma doença “democrática”, pois ela atinge de forma distinta, as diferentes classes sociais, porém, com impactos, consequências e índices de mortalidade bastante diferenciados. Quando se observa e analisa os números da pandemia no Brasil, vê-se claramente que a pandemia é capaz de desmascarar mazelas e injustiças latentes no seio da sociedade brasileira, como as disparidades e abismos sociais, a violência de gênero e ainda o racismo estrutural.

Em agosto de 2020 o Brasil ultrapassou a marca de 100 mil mortes por covid-19 e com mais de 3 milhões de contágios, ficando atrás somente dos EUA em termos numéricos. Estes não são apenas números, a covid-19 é um agente social, e por trás desta complexa e macabra  matemática dos números na pandemia, existem nuances, significados e sentidos que apenas a matemática não é capaz de explicar sozinha, pois exige um olhar mais acurado e interdisciplinar para uma situação tão caótica em que vive o Brasil neste período atual em que os contágios ainda encontram-se descontrolados e em altíssima aceleração.

Segundo a OMS o índice estimado de letalidade do novo coronavírus no mundo é de 0.6%, ou seja,  para cada grupo de 1.000 contaminadas, 6 pessoas acabam indo a óbito. Este índice é considerado altíssimo, e demonstra que o vírus é altamente mortal. Para se ter uma ideia, o vírus da gripe A (H1N1) na pandemia de 2009 possuía um índice de letalidade igual a 0,01%. O índice de letalidade pode variar de região para região e também pode alterar em distintas fases da pandemia. O número de pessoas contaminadas pelo vírus Sars-Cov-2 no Brasil é muito grande, porém o percentual de letalidade não é igual para todos os grupos de pessoas infectadas. Observou-se que o percentual de mortes entre pessoas negras internadas com a covid-19  é maior do que em brancos também contaminados. Constatou-se também que a letalidade entre pacientes de hospitais públicos no Brasil que tratam da covid-19 é bem maior do que em hospitais privados.  A explicação para essas gritantes diferenças não se dão através da genética destes pacientes, mas sim através da origem e da dinâmica de suas classes sociais.  

Pesquisas recentes divulgadas pelo NOIS (Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, 2020) da PUC do Rio de Janeiro, constataram que mais da metade dos negros internados por Covid-19 em hospitais no Brasil morreram. Segundo estes estudos, foram analisados 29.933 casos de covid-19, deste total 8.963 eram negros e 54,8% deles morreram. Na mesma pesquisa dos 9.998 brancos internados 37,9% morreram com diagnóstico de covid-19. Analisando os números da pesquisa, pessoas negras entre 30 e 39 anos, tem 2,5 vezes mais chances de morrerem ao serem internadas por Covid-19 do que pessoas brancas da mesma idade. A explicação da origem destas disparidades numéricas se dá através do chamado racismo estrutural existente no Brasil que promove as diferenças sociais entre pessoas brancas e negras no Brasil. Pesquisas realizadas nos EUA também apontam um índice maior de letalidade pela covid-19 entre negros naquele país.

O racismo estrutural existente no Brasil é o responsável pelos tristes e nefastos números da pesquisa acima. Por mais de 500 anos os negros no Brasil sofreram e ainda sofrem discriminação e exclusão aos meios de acesso ao trabalho, saúde, lazer, estudo e moradia. A herança escravocrata, as imensas desigualdades sociais e a legitimação do racismo e da miséria pelo sistema capitalista são os principais promotores da alta de letalidade por covid-19 entre os negros brasileiros. Obviamente que as pessoas negras no Brasil que possuem menos acesso às políticas públicas de acesso à saúde de qualidade, à moradia digna, ao saneamento básico, e que possuem menores salários e renda do que os brancos,  que tem maiores dificuldades de acesso à escola e ao ensino superior, que são também excluídas do lazer e de uma alimentação completa e de qualidade em comparação com os brancos, consequentemente terão maiores comorbidades como pressão alta, diabetes, sobrepeso e várias outras doenças que podem agravar o estado de saúde ao contraírem o coronavírus, aumentando assim o chamado índice de letalidade da covid-19.

Pretos e pardos no Brasil possuem o maior índice de letalidade da covid-19 em internações, e também segundo o IBGE, formam a maioria dos trabalhos de menor remuneração, o que evidencia mais uma vez a questão do racismo estrutural no Brasil e a sua relação com a pandemia, já que as pessoas mais expostas são as que possuem maior facilidade de adquirir a doença. Enquanto uma minoria de classe mais alta faz o chamado trabalho remoto de suas casas, a maioria formada pelos mais pobres são obrigados a trabalharem no front da pandemia, usando diariamente o transporte coletivo, trabalhando nas ruas, supermercados, nas indústrias e no comércio em geral, possuindo as funções ou cargos de entregadores de app, vigias, motoristas, funcionários de limpeza, balconistas, vendedores, garis, vendedores ambulantes e etc.

A pandemia escancara as injustiças sociais no Brasil, colocando em evidência o racismo estrutural brasileiro e as suas consequências. No Brasil, um dos países mais racistas do mundo, o vírus Sars-Cov-2 não mata de forma igual e democrática, o vírus carrega a marca das injustiças e misérias sociais como o racismo, e acaba matando mais os trabalhadores pobres e também os trabalhadores pretos.

 

                                                                          

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