A pandemia do novo coronavirus vem provocando, além de um número muito grande de contágios e de óbitos, também uma mudança radical no comportamento e no cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo. Com as crianças não tem sido diferente. Muitas crianças permanecem em isolamento nos seus lares, e sem as aulas presenciais nas escolas. As escolas para as crianças não são apenas locais de apropriação de novos conteúdos e saberes, mas acima de tudo, um espaço de convívio social e de intensos relacionamentos.
Por questões de segurança sanitária,
as escolas em grande parte do país, ainda permanecem fechadas desde o mês de
março de 2020, a fim de se evitar o aumento de casos de covid-19, pois as escolas
são consideradas ambientes super transmissores do novo coronavirus, em virtude
das aglomerações e dos contínuos contatos dentro do ambiente escolar. A
dinâmica de funcionamento de uma escola é muito diferente e mais complexa do que
a de um shopping center, de um supermercado ou de um restaurante. Numa escola,
diferentemente daqueles espaços citados, não há como controlar o fluxo de
pessoas e as aglomerações são constantes e inevitáveis. Escola é por natureza
lugar de contatos, interações e de aglomerações.
É sabido por todos, o grande
fracasso do chamado Ensino à Distância (EaD) para as crianças no Brasil, principalmente
em se falando de escolas públicas, que não oferecem nenhum apoio por parte do
Estado que viesse a facilitar o acesso à internet e ao computador aos alunos
matriculados. As experiências com o EaD tem demonstrado a falácia e a grande
mentira em que se tornou o ensino remoto no Brasil. A precariedade das escolas
e das famílias mais pobres é tamanha que as aulas se transformaram apenas em
envio de mensagens e vídeos por whatsapp ou por outras ferramentas virtuais de
mensagens, onde se observou que muitas famílias de alunos, se quer tinham
condições de comprar crédito para os celulares a fim de que os filhos
acompanhassem as aulas, e destacaram-se muitos lares em que apenas um único
celular era compartilhado por vários integrantes da família ao mesmo tempo.
As aulas remotas jamais podem
substituir ou se igualar em qualidade e interatividade relacional ao ambiente
presencial das aulas na escola. E é exatamente esse tempo e espaço de convívio
que as crianças, não somente do Brasil, mas do mundo inteiro, vem sentindo
muita falta. Essa ausência do convívio com os colegas de escola, também a
ausência das conversas, das brincadeiras e dos jogos realizados no ambiente escolar
podem dificultar o desenvolvimento emocional, cognitivo e motor das crianças, desde
que a família, os governos, as escolas ou os próprios pais não tenham condições
ou oportunidades de ofertar e de criar meios substitutivos e adaptados para
este novo contexto da infância na pandemia.
Quais seriam as alternativas para as crianças? As escolas são ambientes importantes e fundamentais para as crianças que vivem em sociedade se desenvolverem plenamente. Porém, as escolas também são ambientes onde existem a violência, o preconceito, o racismo, o individualismo, a concorrência, o machismo e todas as mazelas sociais, pois a escola é também reprodutora de todos os valores sociais e não está nunca circunscrita ou isolada do mundo, ela pode somente reproduzir ou refletir os valores de uma sociedade, assim como também pode ressignificar ou até mesmo servir de contraposição às mensagens do mundo. Entretanto, não cabe à escola resolver os problemas sociais, pois ela também faz parte dos problemas, e nós já sabemos que em uma sociedade de classes, as escolas tem como objetivo primordial a formação de mão de obra barata para o mercado de trabalho. Mas, contraditoriamente na pandemia do novo coronavirus, muitos estão descobrindo a verdadeira importância da escola como singular espaço de convívio e de aprendizagens na infância. Seja pela falta de onde colocar os filhos no tempo de trabalho, seja pela perda de aprendizagens significativas e sistematizadas que a escola é capaz de produzir, seja pela carência de relacionamentos das crianças com os antigos colegas de classe ou sejam por problemas emocionais gerados nas crianças pelo isolamento social e o consequente fechamento das escolas. Todas estas questões relacionadas às crianças no contexto da pandemia do novo coronavirus são relevantes e devem tomar a pauta das discussões e debates neste momento caótico da pandemia no Brasil.
Muitas mães estão
sobrecarregadas e à beira da loucura ao serem obrigadas a dividir o tempo com
os trabalhos domésticos, o cuidar das crianças e o trabalho profissional, já
que vivemos numa sociedade patriarcal e machista, onde infelizmente sempre cabem às mulheres
o cuidar das crianças e todas as tarefas domésticas da família. E o novo coronavirus, além de descortinar essa violência de gênero, também veio potencializar a exploração sobre as mulheres em geral, e não é à toa, que na
maioria das cidades do Brasil, as mulheres são mais contagiadas pelo vírus
Sars-Cov-2 do que os homens. O vírus não prefere um sexo a outro, mas a pandemia na verdade revela tão somente as desigualdades de gênero já existentes e enraizadas há séculos na sociedade brasileira.
Para uma minoria de famílias
privilegiadas, sobra a alternativa de compensar a ausência da escola com atividades
lúdicas para as crianças com utilização de brinquedos, jogos, brincadeiras tradicionais
e ainda jogos de tabuleiros. No atual contexto da pandemia, observamos que acaba mesmo sendo um luxo para os pais disporem tempo para os filhos, ou terem disponibilidade para brincarem com seus filhos, já que muitos pais estão experimentando no contexto atual a intensificação e a precarização do trabalho, nas formas de perdas na renda familiar, aumento da inflação, abalos emocionais e adoecimentos. Mas talvez tentar exercer este grande esforço em disponibilizar tempo e dialogar om as crianças em plena pandemia, será uma das poucas heranças positivas deste momento de devastação e de barbárie que a pandemia nos revela.
Os jogos e brincadeiras são
capazes de promover nas crianças o desenvolvimento da criatividade e também
das suas funções psicológicas superiores como a linguagem, o raciocínio, a
memória, o pensamento simbólico e também as suas capacidades motoras.
Existe uma frase muito
utilizada por professores e coordenadores de escolas que diz assim: “Escola não
é lugar de brincadeiras”, porém onde não há brincadeira, não há o desenvolvimento
infantil de crianças. A escola, a casa, a sala, o quintal, a rua, todos estes são
lugares do brincar. A rua, o lugar mais importante do brincar, ainda está ocupado pelo vírus e oferece riscos às crianças no momento atual em Goiás. Porém, uma sala pode virar uma nave espacial na brincadeira, o
quintal se transforma num planeta desconhecido no imaginário infantil quando se
brinca. E tudo isso se traduz em desenvolvimento infantil. A criança não
aprende somente na escola, ela também aprende em casa e brincando. A
brincadeira é capaz de facilitar a aprendizagem da linguagem, do conhecimento
lógico matemático e faz com que as crianças se apropriem no processo do brincar
dos códigos sociais e da cultura humana. A criança que brinca está se relacionando
com sigo mesma, com as outras crianças e também com todas as gerações humanas
anteriores, pois o brincar é uma construção social. No brincar a criança se faz humano.
Por isso, mesmo durante o isolamento social, é importante sempre que possível planejar o tempo das crianças em casa com atividades lúdicas compostas por jogos e brincadeiras. E para se respeitar as regras de isolamento social e evitar contágios com outras famílias de crianças, os próprios pais podem dedicar tempo brincando com seus filhos. Talvez uma mãe ou pai não tenha muito conhecimento sobre alfabetização de crianças ou de álgebra para poder ajudar os filhos nas atividades escolares em casa, mas podem sim brincar com as crianças de faz de conta, com jogos populares e brincadeiras tradicionais. A brincadeira é uma linguagem universal e todos são capazes de aprender e de ensinar. Todos nós conhecemos alguma brincadeira ou jogos da nossa própria infância.
Portanto, brinquemos todos os dias com as crianças e com todas as crianças, mesmo que as escolas não reabram tão cedo.
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